Após STJ inocentar homem preso por 15 anos, CNJ terá 'laboratório' para estudar e evitar erros da Justiça
28/10/2025
(Foto: Reprodução) O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) vai lançar ainda este ano uma iniciativa para diagnosticar causas de condenações injustas e, a partir disso, publicar normas para juízes de todo o país evitarem erros parecidos no futuro.
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A ideia é formar grupos de juízes, com representantes de todas as regiões do país, para estudar casos concretos de condenações criminais já reconhecidas pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) ou pelo Supremo Tribunal Federal (STF) como erros judiciários.
Os resultados desses estudos serão entregues ao CNJ, em um prazo pré-estabelecido, para serem transformados em novas normas que vão valer para toda a magistratura.
A iniciativa é vista no CNJ como uma das marcas da gestão do ministro Edson Fachin, que assumiu a presidência do órgão há um mês e pretende priorizar pautas relacionadas aos direitos humanos.
Segundo o juiz Luís Lanfredi, assessor da presidência do CNJ e coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF), a medida é "inédita e inovadora".
"Não é só um reconhecimento do erro, mas a possibilidade de os próprios juízes, que estão acostumados a lidar com processos, eles mesmos fazerem essa retrospectiva e proporem ao Judiciário uma redenção para aquela situação", afirma Lanfredi.
"[O resultado do estudo de caso] Será proposto ao plenário do CNJ, que vai transformar as recomendações ou propostas de resolução em atos normativos obrigatórios para toda a magistratura, para que aquilo nunca mais se repita."
O juiz compara o projeto à atuação de órgãos que investigam acidentes aéreos: o objetivo é o Judiciário mapear as causas para prevenir novos episódios.
'Crime da 113 Sul' e 'Caso Evandro'
De acordo com Lanfredi, os dois primeiros casos concretos de erros judiciários que devem ser analisados pelo Laboratório "Justiça Criminal, Reparação e não Repetição" são o de Francisco Mairlon Barros Aguiar, solto neste mês após passar 15 anos na prisão, e o chamado Caso Evandro.
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Em ambos, as condenações foram anuladas recentemente pela Sexta Turma do STJ e reconhecidas como erros judiciários. Os dois crimes envolveram confissões feitas à polícia sob coação ou sob tortura.
Francisco Mairlon foi condenado por um triplo homicídio ocorrido em Brasília em 2009, conhecido como Crime da 113 Sul. Já o Caso Evandro levou à condenação de quatro pessoas pela morte de um menino de 6 anos em Guaratuba (PR) em 1992. Os dois crimes foram analisados em documentários do Globoplay, que estão disponíveis na plataforma.
O Laboratório do CNJ será permanente: novos casos poderão ser remetidos ao órgão pelo STJ e pelo STF para também serem estudados no futuro.
"Eu espero que não só a partir deste caso [de Francisco Mairlon], mas a partir do que temos visto em muitos outros, que se tenha um maior cuidado, uma maior responsabilidade na prestação deste serviço que é essencial — julgar pessoas —, para que o resultado dessa atividade, que é uma cadeia de atos a partir da polícia, passando pelo Ministério Público e pelos juízes em geral, que cada um desses profissionais realmente empregue os melhores meios para que o resultado final seja uma condenação correta", diz o ministro do STJ Rogerio Schietti.
"Os efeitos de uma condenação injusta, de condenar um inocente, são tão trágicos que merecem todo o investimento que se pode fazer nessa tarefa de investigar e de processar pessoas acusadas de um crime", afirma.
O texto para a criação do Laboratório Justiça Criminal, Reparação e não Repetição deve ser levado à aprovação do plenário do CNJ em novembro pela conselheira Daniela Madeira.
A minuta, à qual o g1 teve acesso, diz que são objetivos da iniciativa:
"Auxiliar na construção de protocolos relacionados ao arcabouço probatório que estejam atentos à produção científica";
"Colaborar para a elevação dos padrões probatórios nos procedimentos investigativos e no processo penal como meio indispensável para o enfrentamento à criminalidade e para a proteção dos cidadãos contra a possibilidade de condenações injustas ou em violação aos direitos humanos e fundamentais"; e
"Fomentar medidas e iniciativas de não repetição e mitigação das consequências de erro judicial".
O laboratório não tem relação com pagamentos de indenização aos indivíduos que sofreram condenações injustas. Para buscar reparação, essas pessoas continuam tendo que ingressar na Justiça com ações cíveis contra o Estado, que cometeu o erro.
Plenário do Conselho Nacional de Justiça
Romulo Serpa/Agência CNJ
Falta de dados
Não existem dados oficiais sobre o número de condenações de inocentes no Brasil, segundo o CNJ e tribunais consultados pela reportagem. Tampouco há pesquisas acadêmicas que consigam dimensionar esse problema.
Em uma pesquisa publicada em 2024 na "Revista Brasileira de Direito Processual Penal", intitulada "O que se pesquisou na América Latina sobre condenações e acusações injustas? Uma revisão sistemática da literatura disponível no período de 2010 a 2023", os chilenos Víctor Román e Mauricio Julio afirmam que os estudos na região ainda são incipientes, embora venham crescendo desde 2020, sobretudo no Brasil e no Chile.
A maior parte das pesquisas encontradas pelos autores é sobre as causas que levam aos erros judiciários, com destaque para os reconhecimentos falhos feitos por vítimas ou testemunhas de um crime.
As condenações de Francisco Mairlon e do Caso Evandro levantaram questionamentos sobre o risco de falsas confissões prestadas à polícia. Não há números que dimensionem esse problema no Brasil.
O que leva alguém a confessar um crime que não cometeu? Entenda como o método de investigação pode ser a resposta
Dados do Innocence Project — organização internacional que busca reparar erros judiciários e que, no Brasil, assumiu a defesa de Francisco Mairlon — mostram que, nos Estados Unidos, de 1989 a 2022, o projeto conseguiu inocentar 375 réus por meio de exame de DNA. Desses inocentados, 29% haviam confessado crimes que não cometeram.